Do passado recente herdamos só o cinismo

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Após perder as eleições municipais da cidade do Rio de Janeiro em 2008, o jornalista Fernando Gabeira não se candidatou a mais nada. Apesar de colecionar críticas dos  conservadores e não ser levado a sério por mais um monte, Gabeira possui um eleitorado fiel, no qual me incluo, que o fez deputado federal por quatro anos consecutivos e o levou a ser o deputado mais votado do Rio de Janeiro em 2006. Então por que se retirar do jogo após essa derrota? Bem, tenha você motivos para duvidar ou não, ele oferece razoáveis razões: "estar no parlamento hoje não significa retirar de si próprio o máximo que você pode fazer pelo país. (...) o Congresso perdeu a capacidade de produzir os seus (próprios) projetos, de disputar com o Executivo a condução do país, dentro de seus limites, e também deixou ao judiciário a decisão dos temas (mais) importantes".
Essa ideia faz coro com aquilo que cientistas políticos tem dito há tempos: cada vez mais as pessoas boas (se é que isso existe) estão se afastando da política, e é corroborada por recente pesquisa que aponta a maioria da população brasileira como apartidária, ou seja, sem identificação com a bandeira ideológica (mais uma vez, se é que isso existe) de algum partido. Tal descrença no que popularmente chamamos de política é facilmente explicada ao assistir qualquer noticiário na TV, visitar um portal da Internet, ouvir um programa de rádio, ler um velho jornal impresso ou até mesmo pelas notícias informais que circulam entre os populares. São inúmeros escândalos, desvios de conduta, casos de ética duvidosa, mistura de interesses políticos com interesses pessoais, crimes e abusos das mais diversas espécies.
Se isso pode mudar? Não sei a resposta. Parece haver (no Brasil) uma cultura de raízes muito fortes e profundas que nos levou a crer que a natureza dos políticos é ardilosa, que salvo raras exceções todo político é desonesto. Prefiro, ainda, a ingenuidade dos que acreditam no bem, mas não posso negar que a cada dia mais tenho maior inclinação a acreditar que o dito popular está certo. Mas esse não seria o principal problema, a questão é um pouco mais complexa. 
Temos instaurado um outro sistema bem mais problemático: a fleuma. A dura realidade é que somos - nós, a sociedade - indiferentes ao que acontece ao nosso redor. Por vezes temos rompantes de descontentamento e revolta, mas passa logo após o calor das emoções e nenhuma atitude a longo prazo é tomada para mudar o cenário. Temos a grande dificuldade de transformar nossos erros em lições. Tratamos as probabilidades como se estivéssemos num jogo de azar, onde esperamos sempre ter a sorte de que o desagradável não nos alcance, na crença imbecil de que algo nos torna imunes às estatísticas negativas. Vemos que dois, três ou mais raios caem no mesmo lugar, mas ainda assim preferimos torcer contra o raio a providenciar um pára-raios. Ficamos estáticos perante determinadas situações para depois chorar o evitável.
Voltando aos início da postagem, Fernando Gabeira lançou no fim do ano passado um (para mim decepcionante) livro chamado Onde está tudo aquilo agora? e a pergunta que dá título à obra nos cai muito bem. De que valem as experiências que vivemos, todo o aprendizado que t(iv)emos, tudo o que dizemos acreditar, se na hora da prática passamos à fleuma? Onde está tudo aquilo agora? Onde estamos nós?

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