Mostrando postagens com marcador Crônicas sem nexo. Mostrar todas as postagens

Alguns trocados


Joelson cabisbaixo, com cigarro entre os dedos, sentado na escada. Levantou. Abriu a carteira e viu que só tinha alguns trocados. Trocados. Pensou numa metáfora que explicasse sua situação, tantas boas oportunidades foram trocadas por outras que no fim não valeram tanto a pena. Lembrou do que não trocou, das coisas que não abriu mão, de tudo pelo que lutou e não valeu a pena.

Trocado. Quando chegou em casa já de madrugada e viu que havia sido trocado. Sua esposa saíra de casa, o abandonara, levando os filhos e deixando apenas um bilhetinho. Trocado por um pedaço de papel, Joelson naquele momento acordou e percebeu que deveria ter acordado antes. Entrou no apartamento vazio e só encontrou um “cansei, não dá mais”. Por que ela tinha que ter sido tão sucinta? E as coisas que ele teve que aguentar e abrir mão por causa do relacionamento, não importavam? Abateu-se num misto de fleuma e ressentimento.
Saiu das escadas, voltou ao apartamento. Sentou no sofá da sala e por lá ficou até o amanhecer. Preferiu não ir procurá-la. Dentro de toda sua mágoa, não ligou, não tentou contato. Deixou o tempo passar na esperança de que suas feridas fossem curadas por ele. As semanas foram se passando, a barba por fazer já começava a ficar mais espessa e ele decidiu que era hora de tomar uma atitude, de mudar e ia começar fazendo a barba. Entrou no mercadinho da esquina, comprou um barbeador novo e na hora de pagar se viu novamente diante de trocados.
Relembrou o que vivera e decidiu que não queria trocar o que vivera por nada.

Relacionamento sério



Moravam juntos já fazia mais de dois anos, e numa quarta-feira ela jogou pra ele uma revista enquanto tomavam café da manhã:
- Tá vendo?
Ele leu o enunciado da reportagem e não sabia bem o que responder. Um casal famoso tinha terminado seu relacionamento porque um adorava redes sociais e o outro era tecnofóbico. O que ela esperava dele? Logo dele que só ligava o computador para planilhas e e-mails!
- Mas eu não vejo sentido no Twitter, amor - procurou se explicar.
- Tenta.
E para atender o pedido quase intimação de sua querida, ele foi tentar. Sentou no computador e criou seu perfil no microblog. Seus amigos ficaram felizes em tê-lo por ali. No primeiro dia saiu para o trabalho e a cada sinal vermelho procurava algo que pudesse postar. Postou foto do cara que faz malabarismo, do menino que vende balas, teceu comentários, interagiu e começou a gostar da coisa. Semanas depois, ele mesmo se dizia tuiteiro.
Ela se sentiu feliz ao ver não só que ele tinha se esforçado para fazer parte do mundo dela, mas por perceber que tinha gostado. Ele parecia mais animado no relacionamento ao ver através da rede o quanto ela o admirava. Todos os amigos percebiam que o relacionamento do casal tinha melhorado, os dois conversavam mais, se compreendiam mais, tinham mais assunto, passavam mais tempo pensando um no outro.
Pouco tempo depois alguém sugeriu que tivesse um perfil em outra rede social, onde poderia ir além das frases curtas e lá foi ele se aventurar em mais um campo desconhecido. Pela experiência anterior aceitou a sugestão com boa vontade e se viu novamente diante do computador criando seu perfil. Pensou que ela iria gostar de ver a surpresa quando voltasse do trabalho, montou um álbum com fotos dos melhores momentos que tinham passado juntos desde que se conheceram, colocou na legenda de cada foto uma frase retirada das músicas ou dos filmes preferidos dela. Os amigos estavam curtindo cada foto postada, comentando sobre como tinham sido feitos um para o outro, quando ele finalmente foi ao perfil dela para adicioná-la e escrever algo em seu mural.
Deu um murro na mesa! Não acreditara no que viu. Olhou de novo e puto da vida ligou pra ela.
Por telefone, com olhos mareados, raiva na voz e coração partido, pôs um fim na união que completaria três anos, depois de ver que ela havia marcado apenas como namoro aquilo que ele considerava um relacionamento sério.
Postou o verso de uma música com o link pro You Tube: “She's going to smile to make you frown, what a clown!”, desligou o celular, saiu batendo a porta, preferiu descer pelas escadas. Ainda meio desnorteado acabou contando tudo isso pro Carlinhos, um garcon do boteco da esquina.


Ouvindo:
Coralie Clément - Un beau jour pour mourir