Considerações sobre o estupro


Um dos assuntos que mais tenho visto em pauta é o estupro, ou talvez o que tenha despertado minha atenção seja a repetição com tanta frequência. Dos últimos, o mais bizarro e ultrajante envolve uma decisão da justiça de Portugal, que absolveu um psiquiatra acusado de abusar sexualmente de uma paciente - grávida com depressão - alegando que ele não tinha sido violento o bastante. Isso mesmo que você leu, se tivesse deixado escoriações, hematomas ou fraturas, talvez fosse condenado. Foi absolvido por “pegar leve”.
Se bem que eu não sei se esse foi o caso mais repugnante dos últimos meses, já que não faz muito tempo, nos E.U.A uma adolescente teve que pedir desculpas (!) por ter sido estuprada por um membro da mesma igreja que frequenta(va). Invés do apoio da comunidade religiosa, ela foi obrigada a pedir desculpas à congregação por ter provocado tais desejos no estuprador! Dá pra dizer que foi estuprada duas vezes, fisicamente pelo criminoso e moralmente pela criminosa igreja.
No Canadá um policial declarou que as mulheres são estupradas porque se vestem como putas (e isso gerou um movimento que depois que perdeu a ironia se tornou estúpido que se espalha pelo mundo chamado slut walk). Não duvido nada que muita gente por aí partilhe do mesmo pensamento e não seria difícil encontrar essa linha de raciocínio entre nossos “homens da lei”. Nesse caso, alguns poderiam dizer que “todo cuidado é pouco”, mas criar um padrão de estuprável é tão asqueroso! É como dizer que quem não quer ter o carro roubado não deve andar de carro! Não, filho, a culpa não é do jeito que a mulher estiver vestida (por mais vulgar que te pareça), a roupa não dá a ninguém acesso livre ao corpo alheio na base da força (violação).
Quando fui procurar os links das notícias para essa postagem, me impressionou a quantidade de sites pornôs que surgiram na busca. A categoria rape existe em diversos sites dedicados à pornografia. Um fetiche sádico. Há um incontável número de pessoas que se excitam ao ver um estupro e porque o sexo, em pleno 2011, ainda é visto como tabu pela sociedade, pouca gente conversa sobre isso. Podem achar que sou conservadora demais, mas fazendo uma ligação entre as diversas “piadas” (contadas desde sempre) com o tema, o fato de sermos criados ouvindo coisas como dizer-não-é-dizer-sim (atire a primeira pedra quem nunca escutou alguém dizer que fulana diz que não, mas quer, só tá fazendo doce), o conservadorismo machista que ainda impõe que homem tem que provar sua virilidade, o culto à mulher objeto e os tabus religiosos, não sei se chegaríamos a outro resultado (sem contar com a crença que muitos tem de que o desejo sexual do homem é maior que o da mulher).
Esse é o crime com o maior aumento de ocorrências nos E.U.A. A cada duas horas um caso de estupro é registrado no estado do Rio. No interior de São Paulo os crimes de estupro aumentaram 17%, na Bahia o aumento foi de 36%. Experimenta colocar estupro na busca de notícias do Google nas últimas 24 horas. O número de reportagens para um único dia é espantoso.
O estupro por si só já é um crime repugnante. E como se isso não bastasse, é comum que ele venha com um acompanhamento que consegue o transformar em algo ainda mais doloroso: em muitos casos se coloca a culpa na vítima (o que não ocorre se a acusação de estupro tiver fins políticos).
Mas o pior nisso tudo é que o crime é tão comum que nesses poucos minutos que você perdeu lendo esse texto, várias mulheres foram ou estão sendo estupradas. Grande parte dos criminosos ficará impune.


Ouvindo: R.E.M. - At most beautiful


P.s.: E tinha me esquecido do horrendo estupro "corretivo".

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