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Crônicas do amor desfeito - #02


Cansou de se lamentar. Deixou o dinheiro no balcão e saiu determinado a não mais afogar as mágoas, não queria passar seus últimos dias lamentando os não feitos. Puxou da memória os arrependimentos que conseguia se lembrar e lá estava ela. Ah, e como ela sempre esteve presente em sua memória por todo esse tempo!
A primeira vez que a viu foi aos 19 anos, na biblioteca da faculdade. Ela estava pagando a multa por devolver os livros após o prazo e ele pensou logo que ela devia gostar de ler. “Que voz linda”, pensava consigo mesmo enquanto esticava o pescoço para ver em sua ficha a data de nascimento dela. “Será que aquilo é um oito ou um seis? Porque se for de leão não tem nada a ver comigo”. Já sabia o nome, o curso que fazia, deu o próximo passo que foi tentar se matricular em alguma eletiva que ela cursava. Foi chegando e com bom papo, conseguiu a atenção da moça puxando assunto sobre a tatuagem da menina da primeira fileira. Quinze minutos de conversa bastaram para que ela partisse seu coração ao dizer que seu namorado também torcia para o Fluminense. Namorado. Claro, ela tinha que ter um! Ele preferiu tentar esquece-la.

- Leão! Sabia que ia ter algum problema.

Os semestres foram se passando, outras garotas foram e vieram. Até a formatura veio. Era hora de buscar um trabalho, iniciar oficialmente a fase adulta da vida. Soube que ela havia se casado com o marrento que fazia Ciências Contábeis. Teve outras, mas não esquecia aquela com quem conversou por quinze minutos, que olhava de longe todos os dias.
Podia ter lutado por ela? Sim, podia. Mas foi uma decisão dele não fazer. Ela era feliz e ele não queria que ela sofresse. Por vezes pensou em se declarar. Era melhor que ele, sabia disso. Ela merecia mais, mas nunca ousou arriscar  felicidade dela para realizar um desejo próprio.



Crônicas do amor desfeito - #01


7:30. O despertador toca. Ainda sonolenta, estica seu braço pelo lençol e não encontra o corpo que outrora acariciava ao acordar. Era sua primeira manhã sem ele. Velhos hábitos são difíceis de mudar, pensou sem nem saber ao certo como levaria sua vida dali pra frente. Em cima da mesinha de cabeceira ainda estava o porta retrato com a foto da primeira viagem que fizeram juntos.
- Que merda..., murmurou.
Devagar sentou-se na beirada da cama e enquanto retirava a foto do porta retrato, só conseguiu se lembrar que deixou de fazer um cruzeiro com as amigas para ir naquela viagem. Amassou a foto, foi jogar na lixeira do banheiro e sorriu: pela primeira vez depois de muito tempo não precisaria reclamar da tampa da privada levantada ou do piso do banheiro molhado. 
Com um leve sorriso de satisfação, quis vestir uma das roupas que não usava só para agrada-lo. Havia um vazio no guarda roupas, mas o espaço deixado pela falta das roupas dele foi preenchido pelo cheiro que ele não levou embora consigo. Instintivamente respirou mais fundo porque adorava aquele perfume! 
Foi tomar seu café, se deu conta de que a partir de agora ela mesma teria que fazê-lo. Colocou água na cafeteira e foi pegar o jornal, ia poder ler sem que estivesse todo bagunçado. Café pronto, mesa posta, deixou pra lá. Sentiu falta de companhia à mesa, de alguém com quem pudesse conversar. Ela sabia que tinha feito a coisa certa, mas não sabia ainda lidar muito bem com o sentimento novo, que era um misto de saudade e alívio. Ele estava lá mesmo sem estar.
Atrasada pro trabalho, terminando de se maquiar, em frente ao espelho suspirou e disse para si mesma que tinha sido melhor assim. 
- Certas histórias precisam de um ponto final. Se o destino quiser, a gente começa uma nova história juntos, mas essa acabou aqui.



Alguns trocados


Joelson cabisbaixo, com cigarro entre os dedos, sentado na escada. Levantou. Abriu a carteira e viu que só tinha alguns trocados. Trocados. Pensou numa metáfora que explicasse sua situação, tantas boas oportunidades foram trocadas por outras que no fim não valeram tanto a pena. Lembrou do que não trocou, das coisas que não abriu mão, de tudo pelo que lutou e não valeu a pena.

Trocado. Quando chegou em casa já de madrugada e viu que havia sido trocado. Sua esposa saíra de casa, o abandonara, levando os filhos e deixando apenas um bilhetinho. Trocado por um pedaço de papel, Joelson naquele momento acordou e percebeu que deveria ter acordado antes. Entrou no apartamento vazio e só encontrou um “cansei, não dá mais”. Por que ela tinha que ter sido tão sucinta? E as coisas que ele teve que aguentar e abrir mão por causa do relacionamento, não importavam? Abateu-se num misto de fleuma e ressentimento.
Saiu das escadas, voltou ao apartamento. Sentou no sofá da sala e por lá ficou até o amanhecer. Preferiu não ir procurá-la. Dentro de toda sua mágoa, não ligou, não tentou contato. Deixou o tempo passar na esperança de que suas feridas fossem curadas por ele. As semanas foram se passando, a barba por fazer já começava a ficar mais espessa e ele decidiu que era hora de tomar uma atitude, de mudar e ia começar fazendo a barba. Entrou no mercadinho da esquina, comprou um barbeador novo e na hora de pagar se viu novamente diante de trocados.
Relembrou o que vivera e decidiu que não queria trocar o que vivera por nada.