O fim do contexo


Lá no século XIX, tio Niet dizia que deus estava morto. Se há um cemitério de divindades, de fato não sei e para ser honesta pouco me importa, mas existe uma morte para a qual me parece bastante adequado me debulhar em lágrimas: o contexto das coisas. Ele está morto e enterrado e eu aqui torço para que ressuscite no terceiro dia, reencarne ou baixe num ser iluminado porque a coisa está feia.
O que mais espanta na morte do contexto não é a morte em si e sim a maneira como se lida com ela. O que? Tal qual Rolando Lero, você não sabia que o contexto havia batido as botas? Pois lamento estar te dando essa notícia. Não sei exatamente quando nem como ou onde isso aconteceu, mas seu corpo é arrastado e exibido diariamente na Internêta, como se fosse um troféu de guerra. E é a brutalidade com a qual a coisa é tratada que me espanta.
Independente de dominar ou não um assunto, todo mundo tem uma opinião, de todos os cantos brotam "soluções" para qualquer problema, num discurso que muitas vezes toma o tom não dos comuns palpiteiros mas de vorazes pregadores. Calma, esse não é um discurso antirreligioso, trate as menções religiosas que aqui aparecerem como metáforas. Apenas quero ressaltar que a base da verborragia digital é a fé. Não a fé em deuses ou coisas sobrenaturais, mas uma fé imbecil em arquivos jpeg com um dizer qualquer.
Já disse anteriormente que vejo como problema o fato de se acreditar em qualquer coisa, concedendo autoridade ou crédito aquilo que não tem nenhum. E quanto mais tempo eu passo navegando na Internet mais disso eu vejo. E quanto mais próximo das eleições presidenciais estamos, mais isso piora. Dados pra lá de duvidosos são compartilhados com  revolta exposta em caixa alta: ISSO TEM QUE ACABAR! VERGONHA! QUE ABSURDO!
Mas de onde vem esses dados? Aparentemente poucos tem dados em casa e mais um grande número de pessoas não se deu conta ainda de que temos um acesso à informação muito maior que o de qualquer geração que tenha passado por este planeta. E aí está o xis da questão: o filtro. Não está nas dicas de Glória Khalil, mas questionar não saiu de moda. E não estou falando de ceticismo pelo ceticismo, apenas uma dose de questionamento para verificar quem está dizendo, de onde vem a informação, no que se baseia, etc. Isso nos ajudaria a compreender melhor as coisas, creio eu.
E a compreensão é uma eterna busca. Lá nas aulas de etimologia, nos ensinaram que compreender significa unir a maior quantidade de elementos de explicação invés de um só. Logo, antes de publicar qualquer coisa que viu e aceitou como verdade, seria legal checar a fonte, ver se faz sentido, se tem fundamento e principalmente se é real. Digo isso mesmo só por aqueles que saem por aí multiplicando bobagens, sem notar que muitas vezes estão contribuindo para a naturalização do processo de idiotilização da sociedade.
Ou já não estamos achando normal certas boçalidades vindas de determinadas pessoas? Bons tempos eram aqueles em que apenas Caio, Veríssimo e Clarice eram postados sem a menor responsabilidade ou critério. 




Ouvindo: Autoramas - Autodestruição

Do passado recente herdamos só o cinismo

Após perder as eleições municipais da cidade do Rio de Janeiro em 2008, o jornalista Fernando Gabeira não se candidatou a mais nada. Apesar de colecionar críticas dos  conservadores e não ser levado a sério por mais um monte, Gabeira possui um eleitorado fiel, no qual me incluo, que o fez deputado federal por quatro anos consecutivos e o levou a ser o deputado mais votado do Rio de Janeiro em 2006. Então por que se retirar do jogo após essa derrota? Bem, tenha você motivos para duvidar ou não, ele oferece razoáveis razões: "estar no parlamento hoje não significa retirar de si próprio o máximo que você pode fazer pelo país. (...) o Congresso perdeu a capacidade de produzir os seus (próprios) projetos, de disputar com o Executivo a condução do país, dentro de seus limites, e também deixou ao judiciário a decisão dos temas (mais) importantes".
Essa ideia faz coro com aquilo que cientistas políticos tem dito há tempos: cada vez mais as pessoas boas (se é que isso existe) estão se afastando da política, e é corroborada por recente pesquisa que aponta a maioria da população brasileira como apartidária, ou seja, sem identificação com a bandeira ideológica (mais uma vez, se é que isso existe) de algum partido. Tal descrença no que popularmente chamamos de política é facilmente explicada ao assistir qualquer noticiário na TV, visitar um portal da Internet, ouvir um programa de rádio, ler um velho jornal impresso ou até mesmo pelas notícias informais que circulam entre os populares. São inúmeros escândalos, desvios de conduta, casos de ética duvidosa, mistura de interesses políticos com interesses pessoais, crimes e abusos das mais diversas espécies.
Se isso pode mudar? Não sei a resposta. Parece haver (no Brasil) uma cultura de raízes muito fortes e profundas que nos levou a crer que a natureza dos políticos é ardilosa, que salvo raras exceções todo político é desonesto. Prefiro, ainda, a ingenuidade dos que acreditam no bem, mas não posso negar que a cada dia mais tenho maior inclinação a acreditar que o dito popular está certo. Mas esse não seria o principal problema, a questão é um pouco mais complexa. 
Temos instaurado um outro sistema bem mais problemático: a fleuma. A dura realidade é que somos - nós, a sociedade - indiferentes ao que acontece ao nosso redor. Por vezes temos rompantes de descontentamento e revolta, mas passa logo após o calor das emoções e nenhuma atitude a longo prazo é tomada para mudar o cenário. Temos a grande dificuldade de transformar nossos erros em lições. Tratamos as probabilidades como se estivéssemos num jogo de azar, onde esperamos sempre ter a sorte de que o desagradável não nos alcance, na crença imbecil de que algo nos torna imunes às estatísticas negativas. Vemos que dois, três ou mais raios caem no mesmo lugar, mas ainda assim preferimos torcer contra o raio a providenciar um pára-raios. Ficamos estáticos perante determinadas situações para depois chorar o evitável.
Voltando aos início da postagem, Fernando Gabeira lançou no fim do ano passado um (para mim decepcionante) livro chamado Onde está tudo aquilo agora? e a pergunta que dá título à obra nos cai muito bem. De que valem as experiências que vivemos, todo o aprendizado que t(iv)emos, tudo o que dizemos acreditar, se na hora da prática passamos à fleuma? Onde está tudo aquilo agora? Onde estamos nós?

Olhai as aves do céu

Silvio Luiz, este grande filósofo do nosso tempo, fazendo uso do Twitter como meio de popularizar a divulgação científica de tratados da mais alta filosofia, deixou registrado para a posteridade as seguintes palavras (que, notadamente singelas, poderiam ser ignoradas por quem pejorativamente as classificasse como simplórias):



É muito comum na linguagem encontrarmos o uso dos passarinhos simbolizando liberdade (suspeito que isso aconteça, acompanhando a viagem da Baby, pelo antigo desejo do homem voar). Assim como tá registrado aí do lado (se não estiver mais no side bar, um dia esteve.. de qualquer forma, tudo bem, sou repetitiva e já devo ter dito isso zilhões de vezes), na minha forma de enxergar a coisa, o conceito de liberdade vem com responsabilidade embutida. Pois bem.
Silvio Luiz transpôs essa linha, rompeu (sem trocadilhos) com o clichê. Afinal, para que poetizar sobre o canto dos pássaros se podemos metaforizar sobre o fiofó deles, não é mesmo? Particularmente, gosto dessa visão, mas isso não importa muito agora, porque o que eu pretendia dizer é que as pessoas deveriam ter noção do seu... digamos, forévis (para deixar outra referência cultural - aliás, Silvio Luiz, Baby-mãe-da-Sara-Sheeva-Consuelo e Mussum... vai vendo). Isso quer dizer que não pretendo comer pedras, espinhos, lâminas e outras coisas que podem causar problemas mais tarde, já que tenho noção do meu backstage.
Claro. Nem sempre podemos escolher os cardápios da vida, muitas vezes temos que engolir sapos e lagartos. Porém, nas vezes em que nos é permitido escolher o que comeremos, por que comer pedra? Você, na condição de pássaro livre, sabe o fiofó que tem e cuidar dele é de sua própria responsabilidade. Partindo desse ponto, tenho profunda dificuldade de entender a lógica de pessoas que reclamam diante da consequência de algo que fizeram voluntariamente. Há quem diga que isso acontece porque pássaros criados em gaiolas não sabem voar quando se veem livres. Não sei. Não sei mesmo, mas queria entender.
Talvez eu nunca tenha a resposta, bata sempre na trave.

- No paaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaau!



Ouvindo: The Cure - Lovesong

Pequenas palavras ao léu

Alguns anos atrás, um moço me dizia que se a gente mostrasse uma semente para alguém que não entendesse a origem das plantas, esse alguém jamais acreditaria que aquele grão tão pequeno poderia se tornar uma árvore grandiosa. A pessoa apontaria para uma amendoeira, por exemplo, e indagaria sobre como seria possível algo tão grande caber dentro de uma sementinha, provavelmente achando irracional. O rapaz em questão tentava explicar algum dogma religioso, que não me recordo devido a relevância que dou ao assunto. Porém me lembro do cara e da metáfora porque enxergo alguma nuance poética nisso tudo.
Eu não sei das coisas, aliás eu não sei de nada, mas devaneio (muito) que sejamos como as sementes nas fases da nossa vida. E passamos por todo o processo de desenvolvimento e crescimento até que produzimos nossas flores e/ou frutos, daí iniciamos o momento em que nossas folhas caem e servem de alimento para o solo de outras sementes.
A vida deve ser isso (acho), vários ciclos contínuos de geração, nascimento, produção e morte dentro de um só. E passamos várias vezes pelas mesmas etapas, somos podados inúmeras vezes, recebemos tanto cuidados como xixi de cachorro (já que não temos controle de tudo).


5 coisas para se fazer com uma Câmara de Vereadores


As câmaras de vereadores são um herança dos tempos do Império. O império caiu faz tempo mas essas casas legislativas lá de 1600 continuam de pé. Estima-se que para o ano de 2013 o Brasil será presenteado com mais 5 mil vereadores. Mas esse cargo fundamental no século XVII continua sendo necessário no século XXI? No país inteiro, o que se vê são projetos de fúteis e gasto de dinheiro público para manter um sistema que hoje atende muito mais a interesses particulares invés de priorizar o que é de real benefício público. 
Mas o que fazer com todas essas casas legislativas espalhadas por aí? Como transformar as câmaras de vereadores em algo útil para a população? Aí vão algumas ideias copiadas diretamente das Utópicas Repúblicas Silvanéticas (URS):

1) Postos de saúde

A sociedade karev de médicos.


Cerca de 30% dos municípios brasileiros não possuem hospitais públicos, mais de 400 não tem acesso a nenhum médico do SUS. Com os gastos economizados pela dispensa dos vereadores (salário + salário extra + verba paletó + auxílio combustível + vale isso + auxílio aquilo), daria para contratar no mínimo um médico e um enfermeiro por vereador (a depender da cidade). Algumas Câmaras poderiam ser transformadas em pequenos hospitais relativamente bem equipados, muito melhores que a maioria dos hospitais públicos que vemos por aí.

2) Escolas

Pra ter coragem de dar aula hoje, é bom ter super poderes.

Aquelas senhorinhas com vestidinho surrado dando aula em baixo de uma árvore num rincão brazuca não seriam mais reportagem de telejornais. Não tem lugar pra fazer escola pública? Tá lá a Câmara pra resolver isso, minha senhora! Chega de ficar debaixo das árvores, no maior calorão, vento, poeira... Além do mais, com a verba economizada será possível um salário decente, condições de trabalho aceitáveis e estrutura.

3) Cinemas

2345meia78

Menos de 10% das cidades brasileiras possuem cinemas. Isso mesmo, mais de 90% das cidade não possui uma salinha de cinema sequer! Em muitas cidades, só a verba de gabinete de dois vereadores já daria para manter um senhor cinema. Nas cidade onde já existem, os novos cinemas públicos poderiam ser dedicados ao cinema alternativo, exibindo documentários e outros filmes que normalmente não entram em circuito. 

4) Centros culturais

Vinde a mim as criancinhas.

Em alguns municípios, as casas legislativas são prédios muito antigos, já tendo sido tombados pelo patrimônio histórico. Mesmo onde isso não aconteceu, tais prédios tem valor histórico por representar algo que já foi importante no passado. Diante disso, nada mais interessante que transformar os prédios das câmaras de vereadores em centros culturais. Exposições de artistas locais, mostras variadas de pequeno e médio porte, artes cênicas, dança, música, etc. um lugar garantido para a cultura.

5) Bibliotecas

-Tô gato?

Sim, bibliotecas, estou falando de livros e papel. Daquelas modernudas, com acesso on line e parcerias com outras bibliotecas ao redor do globo. Com o investimento que seria possível graças a extinção dos cargos do legislativo de aparências, a biblioteca teria acervo em constante expansão, contando não só com os clássicos da literatura mas também com alguns lançamentos. Projetos envolvendo escolas públicas, poderiam distribuir livros gratuitamente aos estudantes.


Mas claro, tudo isso não passa de mero devaneio.

p.s.: o método Bin Laden não foi considerado.


Ouvindo: 
Vanguart - Depressa

Em nome do fone de ouvido! Amém?




Se eu tivesse uma religião, o símbolo dela seria um fone de ouvido. Assim como a cruz é usada pelos cristãos como simbolo de “amor” e “salvação” mas fora do contexto adotado pelo cristianismo não passa de um cruel instrumento de tortura, os fones de ouvido também passariam a ter um significado maior que apenas ser um objeto usado para ouvir música (ou ouvir o que quer que seja). Os fones representariam a liberdade e o respeito às outras pessoas e seus direitos individuais.
Baseando-se na premissa de que os direitos de cada pessoa terminam onde começam os direitos do outro, os principais mandamentos dessa minha religião seriam dois: amarás o senhor teu fone como a ti mesmo e não usarás o alto-falante do celular em vão. Os fones serviriam como metáfora para dizer que todos seriam livres para fazer o que bem entendessem de suas próprias vidas, contanto que isso não interferisse na vida das outras pessoas. Ao contrário de religiosos de segmentos mais conservadores, os adeptos dessa minha ideologia não se sentiriam no direito de se meter em fatores que afetam somente a vida alheia, tampouco buscariam meios para fazer com que pessoas que não compartilhassem da mesma visão religiosa tivessem que aceitar goela abaixo práticas, condutas ou “valores” que não concordassem.
Minha religião também não teria mártires, o sofrimento não seria aceito como coisa louvável e jamais seria incentivado. Trataríamos o sofrimento como um fato inevitável na vida mas nunca daríamos a ele o status de bem aventurança. Sempre que possível tentaríamos colaborar para diminuir o sofrimento dos inocentes, principalmente das crianças. Mas e o sofrimento voluntário? Ora, se alguém escolhe um caminho para si mesmo que não prejudica outras pessoas de nenhuma maneira, seria aceito que ninguém mais tem nada a ver com isso, uma vez somos responsáveis por nossas próprias escolhas.
Então, nessa minha utópica religião, independente de você se sentir feliz com funk, rock, MPB, forró, sertanejo ou o estilo musical que for, o importante seria não impor de nenhuma maneira o seu estilo predileto às outras pessoas. Todos seríamos livres para fazer o que bem entendêssemos mas não teríamos o direito de prejudicar, enganar ou obrigar outras pessoas a participarem. Da mesma forma que acredito na máxima já citada de que o meu direito termina onde começa o direito do outro, também acredito que a felicidade começa quando todos tem seu espaço respeitado. Isso porque as pessoas que seguissem essa doutrina acreditariam que se todo mundo se respeitasse, esse já seria o primeiro passo para que todos pudessem ser felizes.


Ouvindo:
Cascadura - Colombo


Você não está sendo filmado. E daí?


A chamada de um programa de TV pergunta: se pudesse trair sem ser descoberto, você trairia? Curioso como tem gente com essa capacidade camaleônica de ser, mudando de cor para se comunicar e ficando parecidas com algo que na verdade não tem nada a ver com o que são (e como saber como são de verdade?). Se não houvesse chance de punição (nos diversos sentidos que essa palavra pode tomar) você seria a mesma pessoa que é, continuaria fazendo o que considera correto? Torço para que a resposta seja sim, porque eu acredito que existe uma coisa maior que move as pessoas para o bem e essa "coisa" se chama caráter
Muita gente pode considerar uma ingenuidade, mas acredito piamente que quando alguém tem caráter, vai fazer o que é certo independente de ter alguém olhando. Se não houver bônus ou qualquer espécie de compensação, se não existir nenhuma condenação ou algum castigo, quem tem caráter vai continuar sendo aquilo que podemos chamar de gente boa.
Na minha humirde opinião, o caminho para quem procura ser uma pessoa melhor passa por essa premissa. É possível que tenham alguns atalhos que também levem para o caminho do bem e talvez todos sejam aceitáveis, afinal somos livres para escolher qual caminho vamos seguir (e encarar as consequências das nossas escolhas, claro). 
Essas palavras não valem grades coisas, mas se você é capaz de honrar os compromissos que assume mesmo quando ninguém está vigiando para conferir se você está andando na linha: eu te admiro, você possui essa coisa preciosa chamada ética. 

Ouvindo: 

Crônicas do amor desfeito - #02


Cansou de se lamentar. Deixou o dinheiro no balcão e saiu determinado a não mais afogar as mágoas, não queria passar seus últimos dias lamentando os não feitos. Puxou da memória os arrependimentos que conseguia se lembrar e lá estava ela. Ah, e como ela sempre esteve presente em sua memória por todo esse tempo!
A primeira vez que a viu foi aos 19 anos, na biblioteca da faculdade. Ela estava pagando a multa por devolver os livros após o prazo e ele pensou logo que ela devia gostar de ler. “Que voz linda”, pensava consigo mesmo enquanto esticava o pescoço para ver em sua ficha a data de nascimento dela. “Será que aquilo é um oito ou um seis? Porque se for de leão não tem nada a ver comigo”. Já sabia o nome, o curso que fazia, deu o próximo passo que foi tentar se matricular em alguma eletiva que ela cursava. Foi chegando e com bom papo, conseguiu a atenção da moça puxando assunto sobre a tatuagem da menina da primeira fileira. Quinze minutos de conversa bastaram para que ela partisse seu coração ao dizer que seu namorado também torcia para o Fluminense. Namorado. Claro, ela tinha que ter um! Ele preferiu tentar esquece-la.

- Leão! Sabia que ia ter algum problema.

Os semestres foram se passando, outras garotas foram e vieram. Até a formatura veio. Era hora de buscar um trabalho, iniciar oficialmente a fase adulta da vida. Soube que ela havia se casado com o marrento que fazia Ciências Contábeis. Teve outras, mas não esquecia aquela com quem conversou por quinze minutos, que olhava de longe todos os dias.
Podia ter lutado por ela? Sim, podia. Mas foi uma decisão dele não fazer. Ela era feliz e ele não queria que ela sofresse. Por vezes pensou em se declarar. Era melhor que ele, sabia disso. Ela merecia mais, mas nunca ousou arriscar  felicidade dela para realizar um desejo próprio.



Crônicas do amor desfeito - #01


7:30. O despertador toca. Ainda sonolenta, estica seu braço pelo lençol e não encontra o corpo que outrora acariciava ao acordar. Era sua primeira manhã sem ele. Velhos hábitos são difíceis de mudar, pensou sem nem saber ao certo como levaria sua vida dali pra frente. Em cima da mesinha de cabeceira ainda estava o porta retrato com a foto da primeira viagem que fizeram juntos.
- Que merda..., murmurou.
Devagar sentou-se na beirada da cama e enquanto retirava a foto do porta retrato, só conseguiu se lembrar que deixou de fazer um cruzeiro com as amigas para ir naquela viagem. Amassou a foto, foi jogar na lixeira do banheiro e sorriu: pela primeira vez depois de muito tempo não precisaria reclamar da tampa da privada levantada ou do piso do banheiro molhado. 
Com um leve sorriso de satisfação, quis vestir uma das roupas que não usava só para agrada-lo. Havia um vazio no guarda roupas, mas o espaço deixado pela falta das roupas dele foi preenchido pelo cheiro que ele não levou embora consigo. Instintivamente respirou mais fundo porque adorava aquele perfume! 
Foi tomar seu café, se deu conta de que a partir de agora ela mesma teria que fazê-lo. Colocou água na cafeteira e foi pegar o jornal, ia poder ler sem que estivesse todo bagunçado. Café pronto, mesa posta, deixou pra lá. Sentiu falta de companhia à mesa, de alguém com quem pudesse conversar. Ela sabia que tinha feito a coisa certa, mas não sabia ainda lidar muito bem com o sentimento novo, que era um misto de saudade e alívio. Ele estava lá mesmo sem estar.
Atrasada pro trabalho, terminando de se maquiar, em frente ao espelho suspirou e disse para si mesma que tinha sido melhor assim. 
- Certas histórias precisam de um ponto final. Se o destino quiser, a gente começa uma nova história juntos, mas essa acabou aqui.